16.11.10

Reflexão Notícias # 10 (Porque há casos em que o RSI é indispensável...)

"Augusto Costa saiu da Segurança Social com mais uma nega aos pedidos de ajuda. No bolso tinha as receitas para comprar os medicamentos para a esclerose múltipla da mulher e 1,5 euros. Foi quanto bastou para comprar numa loja chinesa um revólver de plástico.

Apesar do calor que fazia em Maio, vestiu um blusão e entrou no Montepio Geral da avenida da Liberdade, em Lisboa. Em cima do balcão, deixou um papel: «Isto é um assalto. Mantenha a calma. Ponha todo o dinheiro em cima do balcão, rápido».


Não chegou a falar, fez apenas o gesto suficiente para que se percebesse que tinha uma arma dentro do blusão. Saiu a tremer. «Só pensava: Meu Deus! Desgracei a minha vida por 380 euros».


Desorientado, foi a pé até à Pastelaria Suíça, no Rossio, e deitou fora o blusão na casa de banho. O dinheiro gastou-o logo a seguir «na farmácia, no Pingo Doce e para pagar o quarto».


Augusto sentia que, aos 47 anos, tinha chegado ao fundo do poço. Desempregado desde 2007, sem família e com a mulher gravemente doente, o antigo segurança do Continente da Amadora nunca tinha pensado entrar numa vida de crime. «Chegámos a ter casa própria, em Ferreira do Alentejo, mas o trabalho como restaurador de arte sacra deixou de aparecer e resolvemos vir para Lisboa. Comprámos uma casa no Cacém».


A busca de uma vida melhor começou numa altura em que o crédito à habitação não passava dos 300 euros por mês. «Nos últimos tempos já pagávamos 600 euros». O cartão de crédito e empréstimos à Cofidis ajudaram a agravar a situação. «Quando a empresa onde trabalhava foi comprada e despediram todos os que tinham mais de 40 anos, deixei de conseguir pagar as contas».


Com a casa perdida para o banco, não restou outra alternativa que não morar num quarto arrendado. Mas os 250 euros de renda, que se juntam «a quase 200 euros por mês na farmácia», começaram a ser um preço demasiado alto para a reforma por invalidez de Margarida, que trabalhava como auxiliar de educação numa escola. «Como parte está penhorada para as dívidas, recebemos pouco mais de 400 euros».


Deixou para trás cinco mil euros


Nove meses depois do primeiro assalto, Augusto Costa repetiu a receita. Desta vez, no Banif da avenida Almirante Reis. Saiu de lá com 950 euros e um peso na consciência que não o deixava dormir.


«Não aguentei e fui entregar-me à Polícia Judiciária». Augusto teve dificuldade em convencer os agentes de que a história era verdadeira e, quando chegaram as imagens da videovigilância, ainda foi motivo de riso: «Então, vai roubar e deixa o bolo maior para trás?». No vídeo, via-se um assaltante nervoso, a sair do banco enquanto um bancário assustado punha um maço de cinco mil euros no balcão.


«Quando o apanhei no primeiro interrogatório, ele só pedia para ir preso», conta a advogada oficiosa Ana Rute Monteiro, impressionada com a «situação desesperada» de Augusto e Margarida.


Relutante, o juiz só aplicou a pena de prisão preventiva depois de Augusto soltar a ameaça: «Se não me prender, saio daqui e roubo outro». Os seis meses seguintes foram piores do que estava à espera. «Na prisão vê-se de tudo. É muito duro». Cá fora, Margarida desesperava. «Estava sozinha e sem saber o que fazer». Tentou matar-se por duas vezes, esteve internada seis vezes no Júlio de Matos, com uma depressão profunda. «Tentei ajudar e consegui que a Misericórdia lhe fosse entregar uma refeição por dia ao quarto onde vive, mas ela está doente e deprimida», conta a advogada.


A confissão de Augusto valeu-lhe uma pena suspensa de cinco anos. Mas o futuro continua incerto. Deitada na cama do quarto que partilha com o marido desde que ele saiu da cadeia, na passada sexta-feira, Margarida não esconde as dores: «Já me estou a automedicar. Alterei as doses porque não tenho dinheiro para comprar os remédios todos».


A saúde de Augusto também não ajuda: sofre de Crohn, uma doença crónica inflamatória intestinal que o levou a ser operado duas vezes durante os seis meses em que esteve preso. «Isto agrava-se com os nervos. E a primeira operação não correu nada bem». O resultado foi uma colostomia (um saco ligado aos intestinos para onde lhe saem as fezes) que quase não o deixa andar.


Apesar disso, na segunda-feira atravessou a cidade a pé para ir ao Centro de Reinserção Social à procura de ajuda. «Disseram-me que, para receber o rendimento mínimo, tenho de me inscrever no Centro de Emprego e ir à Junta de Freguesia». Sem ter como pagar o transporte, Augusto terá de fazer o percurso a pé. «Neste estado de saúde e à espera de uma operação, para que é que me vou inscrever no Centro de Emprego?» - diz, desanimado.


O desespero volta a estampar-se-lhe na face. Esta semana, Augusto e Margarida partilharam todos os dias a sopa e o prato que a Misericórdia entrega à hora de almoço. Mas no dia em que regressou da prisão, a senhoria - que já tinha aumentado a renda para 350 euros - anunciou que terão de se ir embora até ao fim do mês.«Doentes e sem dinheiro, como é que vamos fazer, se ainda pode demorar dois meses até vir o rendimento mínimo?»"


Fonte: http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=4439


*texto gentilmente dado a conhecer pelo colega Bruno L. Rodrigues

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