«Queria realizar um documentário sobre o mundo de hoje. Sobre um mundo de progresso que se esquece das pessoas. Queria mostrar gente que é gente, gente que se esconde e é escondida, gente que não se vê e é esquecida. Não quis nunca rotular nem limitar-me a expôr a miséria e a pobreza. Preferi sempre tentar compreender causas e consequências, entender como um determinado acontecimento na vida pode provocar mudanças profundas, como de um momento para o outro podemos cair no abismo. E como é difícil sair de lá. São gerações a crescer e viver dentro de um buraco sem fundo, de hábitos marcados pela impotência, muitas vezes pela apatia ou incapacidade de reagir. Conversei muito com muitas pessoas. Aprendi. Deixei falar muito mais do que falei. Filmei e voltei a filmar. Fui regressando aos locais, às pessoas, às conversas. Fui conhecendo os personagens, aprofundando relações. Deixaram-me entrar um pouco nas suas vidas, no quotidiano difícil da sua condição. É a habitação precária, o trabalho estilhaçado, o amor que se tem, o afecto que não existe. É a prisão sem grades e de muros transparentes. Neste filme fui a lugares onde morreu a esperança colectiva, onde há gente viva à beira da morte social. São rostos que encaram a vida como um castigo, actores sociais despidos de qualquer sucesso material. São olhares cansados de tanta falta de sorte, porque não se pode falar de má sorte quando nunca se entendeu o significado da palavra. São mulheres e homens, esquecidos.»
Pedro Neves, jornalista e documentarista
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