Isabel Jonet acusada de usar a fome como arma política
Poderia ser apenas uma questão de canja ou caldo, mas as declarações da presidente do Banco Alimentar Contra a Fome, Isabel Jonet, desencadearam uma violenta onda de protestos, com insinuações de índole pessoal, acusações de activismo político e até um pedido de demissão.
A sopa em que mergulhou a polémica tem como principal ingrediente o facto de Jonet ter afirmado que “os portugueses vivem muito acima das possibilidades” e que, por isso, vão ter que “aprender a viver com menos”. “Vamos ter que empobrecer muito, vamos ter que viver mais pobres”, disse, em conclusão, a presidente do Banco Alimentar (BA), na quarta-feira em directo no programa Última Edição, na SIC Notícias, onde se debatiam as causas e consequências da actual situação de crise generalizada.
As reacções de indignação multiplicaram-se logo nas redes sociais e, numa carta aberta publicada nesta quinta-feira na Internet pelo Movimento Sem Emprego, Jonet é acusada de proferir “insultos”, “declarações aviltantes” e de “mascarar de caridade o saque que estão a fazer às nossas vidas”.
Redigido em tom agressivo e desafiador, o documento dirige-se à responsável pelo BA dizendo que “o tamanho dos seus disparates não abafa os murmúrios da pobreza e miséria”. Assumindo-se como a voz do “milhão e meio de desempregados”, diz ainda que “o tempo não é de substituir o ‘Estado Social’ pelo ‘Estado de Caridade’, mas de pelo menos ter tanto cuidado com os pobres como com aquilo que se diz”.
Contactada pelo PÚBLICO, Isabel Jonet disse não querer fazer qualquer comentário sobre a polémica suscitada pelas suas afirmações, deixando entender que a questão poderá ser devidamente enquadrada e esclarecida no âmbito duma próxima campanha para a recolha de alimentos.
Nesta quinta-feira foi também lançada na Internet uma petição para “a demissão imediata de Isabel Jonet do cargo da presidência do Banco Alimentar Contra a Fome”. O pedido é justificado por as suas declarações constituírem “uma enorme falta de respeito para com os cidadãos pobres deste país”, cuja situação de desespero “não se coaduma com as políticas de um Estado caritativo” que Jonet é acusada de defender.
Além das questões de substância, a carta aberta assume também um tom de violento ataque pessoal à presidente do BA. “Sabemos que olha para os pobres com desdenho, nojo, pena. Sabemos que na hora de fazer a contabilidade aquilo que a move é a sua canja, o seu ceviche, não o caldo dos outros”, diz o texto, sublinhando que “o mundo de Jonet é o mundo da classe dominante, do privilégio, da riqueza (...), dos esterótipos que ajudam a lavar o sangue que lhe escorre das unhas”.
Também a historiadora Raquel Varela, autora do estudo “Quem Paga o Estado Social em Portugal”, dirigiu uma carta aberta (“A comida [não] é uma arma) à presidente do BA, contestando as suas afirmações no programa da SIC. Em declarações à TSF, a historiadora mostrou-se “incrédula” e “indignada”, acusando mesmo a presidente do BA de “usar a fome como arma política e promover o retrocesso social”.
“É óbvio que o que está a fazer é actividade política”, afirmou. No seu entender, “a fome é um pesadelo que não pode ser usado” e o acesso a mantimentos de qualidade “não é distribuir pacotes de açúcar e arroz”. Até porque, frisou, “temos hoje um padrão histórico novo, com pobres gordos e ricos elegantes, justamente porque a fome não é só uma questão calórica”. Ou seja, a diferença entre a canja e o caldo.
E concordo em absoluto com o que é dito aqui.