Ministério da Insegurança Social
Crónica de João Bonifácio
"Não sei se já vos disse, mas tive duas avós — e uma chegou a ministra.
Da avó paterna, nascida em berço de oiro, consta que era uma santa. Tinha os seus pobres, que alimentava e vestia, dizendo: “Temos de os ajudar, que sem nós esta gente morre de fome”. Ao contrário dos restantes Bonifácios — que admiravam o dito — até hoje sinto um arrepio quando me contam esta história. A materna, nascida em berço de palha, trabalhou desde catraia, levando leite aos trabalhadores das obras, descalça, e matou porcos para sobreviver. Semi-letrada, Dona Arminda tinha as suas ideias. Na década de 80 determinou que “Os drógádos era pô-los a limpar mato”, o que me pareceu descabido.
A medida estendia-se aos bêbedos, aos presos e às vadias: tudo que não fosse pai ou mãe de família temente a Deus devia acartar pasto. Por ilimitado que o meu amor por dona Arminda seja, nunca imaginei que chegasse a ministra. Percebi a sua ascensão esta semana, quando li que “o governo vai colocar os desempregados e os beneficiários do Rendimento Social de Inserção a limpar e vigiar as florestas do País”. Só podiam estar a falar da minha avó.
Hoje, como nos anos 80, estou em desacordo com ela: em que é que pôr desempregados a limpar matas melhora o país? O subsídio de desemprego começou a ser usado com a revolução industrial, quando a população deixou as terras para procurar emprego nas fábricas, tornando-se dependente, já não do que cultivava, mas das fábricas. Quando muita gente se encontrava sem emprego — e sem subsídio — a violência e os roubos aumentavam: sem protecção no desemprego a sociedade caía na barbárie. Em Portugal tentou-se criar um subsídio de desemprego nos anos 30, mas só com o 25 de Abril é que a prática se institucionalizou, tal como o salário mínimo, a proibição de despedimento sem justa causa, etc. Em suma: civilização.
No modelo português, o desempregado — durante o período de subsídio — pode tanto dedicar-se a plantar hortênsias como a fazer um curso de web design ou o que seja que ache que lhe trará melhores condições de vida. Agora não: o desempregado andará a catar mato pelas florestas deste país, forma de pagar o dinheiro que custa a todos nós, trabalhadores férreos que não deixamos as nossas empresas ir ao charco. Mas se é pelo dinheiro que custam, então pergunto: o senhor do Pingo Doce, ao radicar a sua sede na Holanda, não leva balúrdios para fora do país? É certo que não fez nada de ilegal, mas os desempregados também não e vão acartar pasto na mesma. Os alunos das escolas privadas (que são subsidiadas) não nos custam dinheiro? E a tropa cavaquista, que com o seu carnaval nos bancos nos empurrou para este buraco, não nos deve nada? Anseio por ver Dias Loureiro sair do campo de golfe, enfiar-se no mato e apagar um fogo com o seu sapatinho branco.
A medida só pode ter dois propósitos: ou fazer com que os malandros dos desempregados se tornem altamente empreendedores e inventem empregos para se verem livres da sua novel tarefa; ou humilhá-los — por serem desempregados. Não é como se regressássemos a 1930 — é pior: é tratar os desempregados como leprosos sociais, porque nos custam dinheiro. É criar entre todos os que ainda têm emprego um clima de medo que os levará a aceitar tudo (reduções de salários, horários aumentados) para não terem de ir para a mata.
Durante anos li o Dr Pulido Valente a dizer que a ditadura portuguesa não fora fascista, antes proto-fascista. Nunca percebi o que era isso do proto-fascismo. Agora percebo. Parabéns à minha avó. "